Conferencista Eliseu Lopes

Conferencista Eliseu Lopes

domingo, 16 de outubro de 2011

100 ANOS DE HISTORIA ASSEMBLÉIA DE DEUS


      100 anos de História Assembleia de Deus no Brasil

O Berço em Belém
Na virada do século XX, surge em várias partes do mundo o movimento denominado pentecostal, que difundia uma renovação dos moldes pregados pelas igrejas tradicionais, por meio do batismo com o Espírito Santo.
Contagiados por esta doutrina, os jovens missionários suecos residentes nos Estados Unidos, Daniel Berg e Gunnar Vingren, receberam como missão pregar o evangelho em uma terra distante e desconhecida, chamada Pará. Foi então que partiram rumo a Belém, onde desembarcaram no dia 19 de novembro de 1910.
Inicialmente, integraram-se à Primeira Igreja Batista do Pará, localizada na Rua João Balbi. Porém, sentiram a necessidade de tomar um novo rumo.
A Missão
Desvinculado da Igreja Batista, o pequeno grupo pioneiro liderado pelos missionários ficou sem lugar para se reunir. Foi então que o casal Henrique e Celina Albuquerque ofereceu a ala de sua casa, na Rua Siqueira Mendes, para o início de uma das maiores obras pentecostais do último século.
Assim, no dia 18 de junho de 1911, na sala do casal Albuquerque, surgiu uma nova igreja, inicialmente chamada Missão da Fé Apostólica. Somente após sete anos de sua fundação, recebeu a denominação de Assembleia de Deus.
O Templo
As reuniões na Rua Siqueira Mendes duraram cerca de três meses. Depois, para facilitar o acesso, a igreja mudou-se para a residência de José Batista de Carvalho, na rua São Jerônimo (atual Avenida Governador José Malcher).
Em 8 de novembro de 1914, os membros passaram a se reunir em seu primeiro templo livre, situado na Travessa Nove de Janeiro. Ali ficaram até 30 de outubro de 1926, quando o pastor Samuel Nyström transferiu a sede da igreja para a Travessa 14 de Março, antigo nº 759. Nesse mesmo local, o pastor Firmino Gouveia inaugurou o atual Templo Central da Assembleia de Deus em Belém no dia 23 de abril de 1988.
Fé sem Fronteiras
Paralelamente à obra desenvolvida em Belém, a igreja caminhava a passos largos para a sua expansão, com cultos públicos em vários lugares, orações pelos enfermos e batismos com o Espírito Santo. A ilha do Marajó, onde os missionários estiveram apenas um mês após o desembarque em Belém, transformou-se em um dos mais ricos berços do movimento Pentecostal Brasileiro.
Começando pelos municípios arredores, o evangelho pentecostal espalhou-se por todo o Estado do Pará. Assim, enquanto Gunnar Vingren cuidava da igreja em Belém, Daniel Berg e um grupo que se formava saiu espalhando a mensagem por lugares como Bragança, Vigia, Timboteua, São Luís do Pará, Capanema, Quatipuru, Bonito, Primavera e Tauari.
O crescimento fenomenal da Assembleia de Deus está ligado diretamente ao trabalho dos leigos. Desde o início, a igreja valorizou o trabalho dos membros. Isso levou a mensagem pentecostal para os lares, praças e ruas e fez a igreja entrar nas prisões, hospitais e prédios públicos. Cada fiel da igreja tornou-se um evangelista. Não demorou muito para alguns desses homens e mulheres cruzassem as fronteiras do Pará.
Os resultados deram à igreja pentecostal a dimensão que hoje vemos. O rápido crescimento exigiu novos líderes e norteou a expansão da nova igreja.
Comemorações Inesquecíveis
A cada ano, a Assembleia de Deus em Belém, comemora sua existência com uma grande festa no Pará e no Brasil. Algumas festas foram marcantes, como o Jubileu de Ouro, em 1961, quando a igreja comemorou meio século de existência. Na ocasião, estiveram presentes o missionário fundador Daniel Berg e o missionário Ivar Vingren, filho do missionário Gunnar Vingren, já falecido na época. A festa do Jubileu não foi apenas local. Em diversas cidades brasileiras, essa data histórica foi igualmente festejada. Nesse período, os pentecostais brasileiros eram estimados em cerca de um milhão de pessoas.
Já em 2001, a igreja celebrou seus 90 anos de bem sucedida história. As comemorações oficiais começaram com uma marcha (com aproximadamente 100 mil pessoas) pela cidade de Belém.


AVIVAMENTO


O QUE É AVIVAMENTO


No dicionário Aurélio, avivamento é definido como o ato ou efeito de avivar  tornar mais vivo, mais nítido, cobrar ânimo, ficar intenso.
Mas o que avivamento significa dentro do contexto que vivemos - a igreja de Jesus?

1- Primeiramente o avivamento nos fala de "Retornar"!No Salmo 85:6 lemos: "Não tornarás a vivificar-nos, para que o teu povo se alegre em ti?" Este texto nos indica a idéia da necessidade de uma recuperação. Nos fala de sairmos de um estado de apatia e inércia, para uma vida de alegria e significado. Trás a idéia de um retorno a uma vida que só é experimentada na lembrança do passado 
 distante da realidade presente. Esta vida é possível mas foi perdida em algum lugar da existência da fé.

2- Em segundo lugar nos fala de "Restaurar"!Salmo 126:4
O avivamento restaura verdades. Restaura aquilo que um dia cremos (nossa doutrina), e vivemos (nossa prática), mas que por alguma razão abandonamos ao total desapreço. Portanto o avivamento é uma recuperação daquilo que está esquecido, obscurecido. O avivamento repara o altar da nossa vida. Restaura o nosso fervor, nosso ânimo e nossa paixão pelo Senhor do Reino e pelas coisas do Reino.

3- Em terceiro lugar avivamento nos fala de "Restituir"!Salmo 51:12
É a restituição de um entusiasmo rejuvenescido; de um andar em santidade. O avivamento é a volta de uma vida de credibilidade! Isto é mais que grandes concentrações, mais que "êxtase pentecostal", mais que uma experiência com o sobrenatural, mais ainda do que milhares de pessoas se agregando às Igrejas evangélicas. É mais que o testemunhar das mudanças sociais que ocorrem 
 novos apartamentos, novos carros, novos empregos e novas empresas. "Avivamento é uma operação do Espírito de Deus, entre seu povo". É Deus agindo em sua Igreja. É a volta do culto verdadeiro, da adoração genuína, da contrição de coração. É mais que um ensinar teórico. É a prática  a vida. É o povo pregando o que na vida já fazem!
É esta vida que o avivamento pode restituir!
Que Deus nos ajude a sairmos da "vida morta", e restaure em nós seu altar, restituindo-nos um estilo de vida coerente com o caráter Dele!

sábado, 15 de outubro de 2011

4 ordens que deus deu a jacó


               4 ordens que deus deu a jacó

a-luta-de-jaco

Texto: Genesis 35.v1
" DEPOIS disse Deus a Jacó: Levanta-te, sobe a Betel, e habita ali; e faze ali um altar ao Deus que te apareceu, quando fugiste da face de Esaú teu irmão."

 
Introdução: Talvez esse foi um dos momentos mais difíceis da vida de Jacó, e foi justo nesse momento que Deus encontrou a oportunidade para mudar a vida de Jacó para sempre.
È nos momentos mais difíceis da nossa vida que Deus sempre se revela para nos confortar e nos dar uma experiência com ele
Mas para que a benção de Deus se manisfetassem na vida de Jacó ele teve que obedecer quatro ordens

1-     Levanta-te: Deus quer uma nova postura
Jacó não estava prostado fisicamente, mas sim espiritualmente, aquele momento era de dificuldade para Jacó, e Deus não queria ver Jacó prostado diante das dificuldades e sim de pé.
Deus não quer que nos prostemos diante das dificuldades, Deus nos quer como um valente soldado na guerra pronto para pelejar contra as intempéries desta vida.
Levante-se, Esforça-te e tem bom animo, porque o Senhor é Contigo
Não deixe as circunstâncias da vida baixar a sua cabeça
2- Vai até Betel: Deus quer nos dar uma direção
a-      Para que a benção Deus se manifeste temos que estar atentos a direção que Deus esta nos dando.Quando estamos na direção de Deus, por mais espinhoso que  seja o caminho, podemos ter a certeza que a vitória é certa
b-      Betel significa “Casa de Deus” ou seja o lugar aonde Deus escolheu para nos encontrarmos com Ele.
Betel é o lugar da intimidade, da adoração, Betel é o lugar aonde podemos derramar a nossa alma diante de Deus.
Ex: Ana, mãe de Samuel e Asafe no Salmo 73
3- Habita ali: Deus quer perseverança
Não adiantaria nada Jacó chegar a Betel e no mesmo dia voltar embora, Deus queria que Jacó permanecesse naquele lugar.
Deus quer que permanecemos no lugar que ele preparou pra nós.
Temos que ser firmes e constantes muitas pessoas deixam de desfrutar das bençãos e da graça de Deus por não permanecerem na Betel de Deus
4- Edifica um altar: Deus quer comunhão
O altar é lugar maximo da nossa intimidade com Deus, altar significa sacrifício, renuncia, adoração.
Todos nós temos que edificar altares, pois o altar é a marca da nossa comunhão com Deus.
Conclusão:
Havia um propósito de Deus na vida de Jacó, mas para que esse propósito se realizasse Jacó teve que obedecer a essas quatro ordens que Deus lhe deu.
Façamos como Jacó para que a benção de Deus seja manifesta nas nossas vidas

A DOUTRINA VERDADEIRA DA BIBLIA


                                   UM ESTUDO SOBRE DOUTRINA

 

 

(lTm 4.16; Rm 6.17; Ef 4.14; 6.4; Cl 1.21-23; 1Tm 1.10; 4.1; 2Tm 4.3; Hb 13.9)
l. O que é doutrina. “Didakê” ou “didaskalia”, no Grego, significa ensino, instrução, doutrina. Tudo o que nos é ensinado nas Escrituras, é doutrina. Por isso pode-se falar em “a doutrina cristã”, como o conjunto de todo o ensino cristão, e também pode-se falar em doutrina da Salvação, da Predestinação, da Oração, do Perdão, etc.
2. Daí decorre a importância da doutrina: sem o ensino das Escrituras não teríamos um completo conhecimento de Deus, de Cristo, e de tudo o que Ele ensinou. Nem poderíamos salvar-nos, nem levar alguém à salvação (temos que ensinar o caminho certo, com correção, sem confusão). O conhecimento das doutrinas exerce no cristão o papel que o lastro exerce nos navios e nas aeronaves, dando-lhes estabilidade e condições de navegabilidade, mesmo em condições difíceis.As doutrinas dão peso às nossas convicções, de tal modo que, quando as conhecemos bem, não somos levados “por todo vento de doutrina” (Ef 4.14). Existem as doutrinas básicas da fé cristã: “Só a Escritura”, “Só a graça”, “Só a fé”, assim como existem as que podemos chamar “secundárias”.
3. “Só a Escritura” como a única revelação especial e escrita de Deus, inerrante, infalível, escrita por “homens santos de Deus inspirados (ou movidos) pelo Espírito Santo”. A finalidade: 2Tm 3.15-17; levar o homem à salvação e à prática de “toda a boa obra”.
4. “Só a graça” de Deus - Ef. 2.8. Só a graça de Deus pode livrar o homem do poder e escravidão do pecado, da condenação dada pelo próprio Deus - Gn 2.17; Rm 6.23. Quem condena também tem poder para indultar, perdoar, restaurar, com as condições por Ele estabelecidas (arrependimento, testemunho, serviço cristão, que o salvo certamente preencherá): Ez 18.21, 13, 17, 30-32; Mt 3.2; 4.17; Jo 1.12; 3.15-18; 2Co 5.17.
5. “Só a fé” - Jo 3.16; At 16.31; Rm 10.8-11. Todos os textos que falam do que é necessário para a salvação, apontam apenas a fé. Entretanto, a fé que salva não é apenas uma atitude mental, mas uma disposição de alma que envolve a inteligência - ato de crer -, os sentimentos, e a vontade, isto é, envolve toda a personalidade. Desse modo, aquele que não cria, passa a crer; aquele que não amava a Deus e ao próximo, passa a amar; o que praticava o mal e nisso tinha prazer, passa a fazer o bem e a detestar a prática do mal. Assim, fé , conversão e arrependimento são inseparáveis; arrependimento e conversão são como os dois lados de uma moeda - um não existe sem o outro, e ambos se tornam realidade porque Deus deu a fé, que os torna possíveis. 6. Seitas. Religiões e crenças anti-cristãs apontam outros meios para redenção e salvação: circuncisão, batismo, boas obras, missas, reencarnações, purgatório; todos esses meios são tão só pensamentos humanos, inúteis e anti-bíblicos. Sobre as boas obras, Paulo diz claramente: Gl 2.16; 5.6 e 6.15. A razão está em Is 64.6; Rm 7.18-19 e 21. O homem nada pode fazer que pague sua dívida ou desfaça seus pecados. Convém acrescentar, ainda, que a “fé que salva” não é fruto de uma auto-sugestão, não é apenas um grande desejo de obter ou receber algo, mas é incondicional submissão à vontade divina. É aquela disposição de alma demonstrada em Habacuc 3.17, em Jó 1.19.22 e 2Co 12.7-10. É uma fé humilde, porém viva, ativa, frutífera - Tg 2.14-19.
7. A todas as doutrinas bíblicas subjaz aquela que pode ser comparada à coluna vertebral da doutrina bíblica, a Soberania de Deus - Ele é o único Deus - Is 43.7 e 10, 13; 44.6; 45.5; Ele criou todas as coisas - Sl 33.8-9; 90.2; todas as coisas pertencem a Ele - Rm 11.36; Sl 24.1; Ele dirige os acontecimentos - Rm 8.28; Pv 16.4; Is 41.20; 43.7; Jó 33.29; Gn 45.5 e 7; 50.20. Porém, nem todas as doutrinas são igualmente importantes.
8. Existem doutrinas que podemos considerar secundárias, embora importantes também. Por exemplo, as doutrinas sobre o batismo ou formas de batismo (imersão, aspersão e afusão), sobre o governo da Igreja (episcopal, congregacional e presbiteriano), sobre os dons espirituais - Rm 12. 5-8; 1Co 12.1-11, 28-31 e assim também sobre o dízimo, as boas obras, e tantas outras.
9. Outro ponto importante sobre doutrina é este: não podemos pensar que nossa fidelidade a Deus se resume em termos a doutrina correta. Lembremos que entre as pessoas religiosas, nos dias de Cristo, os mais ortodoxos eram os fariseus ou anciãos, e Cristo disse que os publicanos e as meretrizes entravam no Reino dos Céus antes deles Mt 21.23-31. E os piores inimigos de Cristo foram exatamente os fariseus; é a ortodoxia farisaica, que ainda existe hoje. Por isso, ao falar dos dons espirituais, Paulo diz que mais importante do que eles, é obedecer a lei do amor - 1Co 12.31 até 13.13. 10. O ideal a serbuscado pelo cristão é ser fiel a Deus em todas as coisas - no que ele crê (tanto as doutrinas fundamentais, como as secundárias) e no que ele faz - e crescer espiritualmente “até que que todos cheguemos... a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4.13). Então haverá no caráter e na sua vida o insubstituível “fruto do Espírito”: “caridade (ou amor), gozo (ou alegria), paz, longanimidade (ou paciência), benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança (ou domínio próprio)”. O que Cristo ensina em Mt 23.24 se aplica também a este assunto: “Condutores cegos! que coais um mosquito e engulis um camelo”.Também o ensino de Rm 14.1-3 se aplica a este assunto, como também o ensino de Gl 6.1, a fim de que não nos tornemos “caçadores de heresias” impiedosos, com o espírito inquisitorial. Então, somente com muita comunhão com Deus, buscando em tudo a direção e o ensino do Espírito Santo, através da leitura e estudo das Escrituras, juntamente com o cultivo do amor a Deus e ao próximo, poderemos ficar livres de cair no engano das heresias e no erro de deixar de amar o próximo. Atentemos para as instruções de João em 1Jo 4.1 e 2Jo 9 e 10. Defender e ensinar a sã doutrina, não fazer concessões nem média com heresias, e ao mesmo tempo amar aqueles que as ensinam, evangelizando-os com amor e muita paciência, esse é o grande desafio que fica diante de nós, no campo doutrinário. Deus nos dará vitória também como apologistas, defensores da fé e da sã doutrina.

Curiosidades Bíblicas


Curiosidades BíblicasG

Deus dos fracassados

Pedro nega a Cristo
Uma das coisas que mais me admiram na Bíblia é sua mordaz sinceridade. Não há subterfúgios: os que denominamos “heróis” são apresentados com sua ousadia em crer, mas sem omitir a podridão de seus pecados. Não há espaço na Palavra para a idealização de um super-humano. E esta é a principal razão pela qual creio na Bíblia: não porque ela descreve o sucesso daqueles que nos inspiram, mas principalmente porque não hesita em mostrar seus fracassos.
A Bíblia é de uma sinceridade constrangedora. Veja o que Jesus mesmo diz: “a cada dia basta seu próprio mal” (Mt 6.34). Quem de nós consola com tais palavras? Muitas vezes, as coisas darão errado – mesmo que você seja um bom servo. Virão momentos de fracasso. Qual a boa notícia nisso? É que na experiência humana com Deus não há espaço para os orgulhosos fanfarrões; já os fracassados, estes são a matéria-prima preferida de nosso Senhor.
Há um personagem que aparece no livro de Atos, surpreendentemente mencionado em um retumbante fracasso: trata-se de João Marcos. Sobrinho de Barnabé, ele abandonara o tio e Paulo na primeira viagem missionária, logo no início da jornada (At 13.13). Quando os dois apóstolos partiram para a segunda missão, ele sofreu severa rejeição de Paulo, chegando ao ponto deste não seguir viagem com Barnabé, tamanha a desavença (At 15.37-39). O que teria se passado na cabeça do rapaz?
A partir daqui vamos imaginar, vamos buscar na ficção as possibilidades do que possa ter acontecido, porque não temos registro histórico ou bíblico detalhado dos fatos. O que sabemos, por informação dos pais da igreja (Inácio e Irineu) é que João Marcos foi discípulo e secretário do apóstolo Pedro. Fico pensando: o que o jovem discípulo conversava com um homem que era uma lenda viva, reconhecido pela igreja primitiva como “a Rocha”?
Vamos criar um cenário: certa noite, Pedro menciona que encontrarão Paulo na semana seguinte. O guri estremece por dentro, e o apóstolo – macaco velho que era –, percebe: “O que aconteceu com vocês?”. João Marcos então conta a história: “Abandonei Paulo e meu tio quando a coisa começou a esquentar e, na hora de mostrar do que eu era feito, fugi”.
Sim, Pedro sabia o que o rapaz sentia. Podemos imaginar ele dizendo a João Marcos: “Deixe-me contar algo sobre abandonar alguém”. E então o maior dos apóstolos começa a narrar o que aconteceu naquela noite de quinta-feira, quando estava escondido no pátio da casa onde Cristo era inquirido (talvez a uns 20 metros de distância do Mestre): negou conhecer o Senhor três vezes – na cara dele. Foi só na terceira vez, quando um galo cantou no lusco-fusco da manhã, que Jesus o mirou com aqueles olhos tão tristes e solitários, e ele caiu em si (Lc 22.61). Há maior derrota do que essa?
É aqui que aprendemos o que Cristo faz com aqueles que fracassam com ele. Alguns dias depois de sua ressurreição, Jesus foi ao encontro de Pedro no mar da Galileia (Jo 21). Lá, à beira do mar, no amanhecer e ao lado de uma fogueira (veja como ele recria o cenário da negação!), consolou a alma de Pedro permitindo que ele afirmasse por três vezes, diante de todos os companheiros, que o amava. Naquele momento, Pedro não sabia o tamanho da graça e da chance que Deus ainda lhe daria: segundo Clemente de Roma, Pedro foi martirizado em Roma, crucificado por Nero. Imagino a coroa de glória que representou para o apóstolo tal fato: que o Senhor lhe tenha dado novamente a chance de mostrar que realmente morreria por Ele.
Voltemos a João Marcos. O que ele aprendeu com o maior dos fracassados? Muito. Primeiramente, a partir das memórias do apóstolo, ele escreveu o primeiro evangelho de que temos notícia, o segundo que está no nosso cânon – o Evangelho de Marcos. Aquele jovem fracassado simplesmente tornou-se escritor da própria Palavra de Deus. E nas novas chances que Deus foi lhe abrindo, encontrou ainda reconhecimento daquele que certamente temia mais que qualquer outro: o severo apóstolo Paulo. Este, também às portas do martírio, escrevera ao discípulo Timóteo o seguinte: “traze também contigo Marcos, porque ele me é útil para o ministério” (2Tm 4.11).
Com a experiência destes dois homens de Deus – o apóstolo Pedro e seu amigo-discípulo de tantos anos, João Marcos – entendemos como Deus não deixa de completar Sua obra por causa dos nossos fracassos; pelo contrário, Ele os usa para o Seu Reino. Então, quero deixar o seguinte para você: quando você fracassar – e não estou dizendo se, mas quando –, lembre-se de três coisas:
1. a tua derrota não impedirá o Reino de Deus;
2. o reconhecimento da nossa fraqueza é a base indispensável para qualquer ação divina;
3. e nosso Deus é o Deus resgatador dos fracassados e das múltiplas segundas chances.
Vá e viva a alegria de trabalhar na obra desse misericordioso e amoroso Deus.
Crônica de André Daniel Reinke
Palavra dada aos alunos formandos do Instituto Bereia (Porto Alegre) em 14.12.2012
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07FEVEREIRO
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Coisas deste mundo

Máscara do carnaval de Veneza
É muito comum se ouvir falar nas igrejas a respeito do cuidado que se deve ter com as “coisas deste mundo”. Esse é um conselho bíblico bastante oportuno (veja 1Jo 2.15-17). O problema é a delimitação simplória que muitos adotam para o que seriam estas coisas do mundo. Geralmente acabam sendo entendidas como elementos comportamentais (principalmente imoralidade sexual) ou culturais (estilo musical, vestuário, etc). Curiosamente, questões relacionadas aos jovens. Mas será que é disso que se trata? Acho que não. Na verdade, as coisas do mundo que atualmente ganham força estão relacionadas com a competitividade e a prosperidade.
O texto bíblico de 1João menciona três tipos de coisas do mundo que nós não devemos amar nem desejar:
- a concupiscência da carne;
- a concupiscência dos olhos;
- o orgulho da riqueza.
A concupiscência da carne relaciona-se à luxúria, ou seja, ao primeiro e grande motivo que move o homem: a sensualidade desenfreada. Até aí, tudo tranquilo. Não lembro de igreja séria que defenda a libertinagem sexual. Entretanto, com os outros dois tipos, o jogo é diferente.
A concupiscência dos olhos é simplesmente a sedução da aparência. O que é típico do mundo moderno é a competitividade, ou seja, a necessidade permanente de ser ou pelo menos parecer maior e melhor que o outro – ditadura do capitalismo que impôs a nós não somente um sistema econômico, mas um estilo de vida. Essa é uma das coisas do mundo que penetrou profundamente na igreja evangélica e que a intoxica irremediavelmente. Até ontem bastavam os títulos de pastor, ou reverendo; hoje, alguns nomeiam a si mesmos bispos (para demonstrar que estão hierarquicamente acima dos outros) ou até mesmo apóstolos (para que todos entendam exatamente quem é que manda no pedaço ou que está mais próximo de Deus). Aos líderes inflados seguem-se os plebeus, que procuram novas-antigas definições como levitas, profetas, mensageiros, ministros, etc. Cada um buscando seus quinze minutos de fama ou seu espaço nos holofotes sacros. A concupiscência dos olhos tem a ver com a cobiça (que entra pelos olhos) dos bens e do ministério dos outros. E aí me pergunto: para onde foi a tal da humildade? Onde os servos, os lavadores de pés?
O orgulho da riqueza, então, tomou conta não somente dos anseios de muitos crentes, como predomina em diversos púlpitos – muitos deles, televisivos. O orgulho da riqueza está associado a outro elemento fundamental do tempo contemporâneo, a busca do lucro. Que, na igreja evangélica, tomou a forma assombrosa da “doutrina” da prosperidade. Parece não haver esforço espiritual que não deva resultar em sucesso, num carro novo, apartamento ou uma carreira bem-sucedida. Testemunhar de Deus agora é ostentar a riqueza adquirida – quer dizer, a bênção. Mostrar ao irmão o quão próximo de Deus está contando os bens materiais que Ele deu, enquanto o outro padece de falta de fé e recursos para viver dignamente. Pergunto novamente: para onde foram os “que adoram em espírito e em verdade”? Que lugar os bem-aventurados do Sermão do Monte teriam nessa igreja?
Temo que estas coisas do mundo – a competitividade e a busca da prosperidade – vieram pra ficar na igreja evangélica contemporânea. Não vejo esperança porque a igreja definiu-se pela estratégia mercadológica da necessidade absoluta do resultado, ou seja, crescimento a qualquer custo. Compreendo as motivações: se esta igreja abandonar sua pregação mundana, talvez perca junto com ela a maior parte de seus fiéis.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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06FEVEREIRO
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Ceifando o que não plantou

trigo
(palavra aos alunos formandos do Instituto Bereia em dezembro de 2011)
Fiquei feliz com a escolha que vocês fizeram, naturalmente. Vejo um bom sinal quando, num curso de música, os alunos escolhem como paraninfo um professor de Bíblia. Não por mim, mas pelo significado disso.
Gostaria de te deixar uma palavra difícil – na verdade, nada diferente do que foi feito em nossos 60 encontros ao longo desse curso. De tudo o que conversamos, o essencial é que você entenda a humildade. Troco o que você possa ter aprendido por esse simples princípio. Por quê? Porque sem ela ninguém verá o Reino de Deus. Por isso o salmista diz: “Preserva também o teu servo do orgulho, para que ele nunca me domine; então eu serei íntegro e inocente de uma grande transgressão” (Sl 19.14).
Você, por trabalhar nos palcos e sob os holofotes, é o mais visado pelo pecado do orgulho. A maioria já caiu e nem sequer percebeu isso. Então, gostaria de te ajudar na empreitada da humildade. Muita gente explica que ser um canal de bênçãos ocorre da seguinte forma: Deus age em você e algo acontece. Realmente é isso, mas não é somente isso. Há uma complexidade por trás da ação de Deus que não nos é perceptível. Vou tentar exemplificar lembrando do contexto do Novo Testamento no que diz respeito aos judeus e aos samaritanos.
Havia uma discussão entre eles sobre qual seria o local correto de adorar a Deus: em Siquém (no monte Gerizim) ou em Jerusalém. Os samaritanos defendiam Siquém porque era o berço dos patriarcas: Abraão e Jacó construíram altares para adorar naquele local (Gn 12.6-7; 33.18-20). Também ali foi feita a reunião após a conquista de Canaã, quando o povo se dividiu sobre os montes Ebal e Gerizim para ler as bênçãos e maldições descritas em Deuteronômio, erigindo depois um monumento com os 10 mandamentos gravados (Js 8.30-35). Siquém estava profundamente ligada aos patriarcas e à origem da nação israelita. Jerusalém, por sua vez, foi a cidade conquistada por Davi e tornada a capital e centro do culto oficial, alvo de inúmeras promessas de Deus.
Jesus encontrou justamente essa controvérsia quando viajava de Jerusalém para a Galileia, passando por Samaria. Sentou-se na beira de um poço que Jacó construíra, ao lado da vila de Sicar – a Siquém dos tempos de Abraão. Ali conversava com uma interessante mulher samaritana que lhe fez a pergunta catalisadora de tanto debate:“Onde é o lugar correto para adorar? Neste monte ou em Jerusalém?”. No fundo, a questão era: quem é maior, Abraão ou Davi? Ela invocou 1900 anos de história e uma discussão teológica de 7 séculos. A resposta do Senhor foi simples: nem aqui, nem lá.“Acredita-me, mulher, que nem nesta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (Jo 4.21,23). Não haveria mais necessidade de estruturas, de locais, de representantes entre homens e o Pai: cada um seria um templo. A mulher ficou obviamente estupefata: seria ele o Messias prometido? Ela foi correndo chamar os moradores para contar a novidade. Minutos depois, voltava com seus amigos.
Imagine a cena: os samaritanos saindo em multidão da vila e vindo ao encontro de Jesus, todos eles vestindo suas tradicionais roupas brancas, enchendo o vale de uma constelação de pontos claros. Foi quando o Mestre virou e disse para seus discípulos:“Não dizeis vós: ainda quatro meses e chegará a colheita? Pois eu vos digo: erguei vossos olhos e vede os campos: estão brancos para a colheita! (…) Aqui, pois, que se verifica o provérbio: um é o que semeia, outro o que ceifa. Eu vos enviei a ceifar onde não trabalhastes; outros trabalharam e vós entrastes no trabalho deles” (Jo 4.35,38). Havia milênios de ação de Deus naquele lugar, desde os patriarcas. Jesus sabia disso. Estava somente colhendo: sua atividade não iniciara apenas naquele momento, mas muito antes.
Agora vamos a você. Digamos que esteja dirigindo um culto ou um momento de louvor e alguém encontra Cristo. É maravilhoso – e você participou disso. Mas não tenha a ousadia de outorgar a si mesmo a autoria da maravilha. Deus trabalhou durante a vida inteira daquela pessoa de maneiras as quais você jamais poderá sequer imaginar. As pessoas que eventualmente forem tocadas o terão sido não porque houve uma unção especial em você: houve um milhão de pequenas coisinhas que agiram naquelas vidas, e nenhuma delas terá sido a responsável única pelo que aconteceu.
Você é apenas parte do processo e provavelmente nunca saberá se está plantando ou se está colhendo. Não cabe a você decidir. Portanto, seja humilde. Todo crescimento não é seu, é de Deus. O ministério não é seu, é de Deus. Cada gesto – mínimo que seja – não é obra sua: é Deus agindo por meio de você. Você é uma parcela de sal e fermento misturado à massa.
Isso é o Reino de Deus.
Entenda isso e você estará apto a participar dele.

Crônica de André Daniel Reinke
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05FEVEREIRO
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Imperdoáveis

imperdoaveis
Na coluna A outra face mencionei aquela que acredito ser a proposta mais absurda de Jesus: dar a outra face ao agressor. A segunda proposta mais absurda, na minha opinião, é o perdão. Na verdade, o perdão é irmão íntimo de dar a outra face; a diferença é que ele não é fruto de uma relação exclusiva com “inimigos”. O perdão, quando o ofendido assume o prejuízo causado pelo ofensor, é o único caminho da restauração plena. Tratando do tema de perdão, sempre me lembro de dois filmes que me marcaram e que demonstram modos opostos de lidar com os pecados dos outros e seus efeitos sobre nós. Trata-se de “Os Imperdoáveis” (onde ninguém perdoa ninguém) e “Forrest Gump” (o cara que perdoa todos o tempo inteiro).
Os Imperdoáveis foi o filme vencedor do Oscar de 1992, escrito e dirigido por Clint Eastwood, estrelado por ele mesmo mais Gene Hackman, Morgan Freeman e Richard Harris (elenco sensacional, vamos combinar). O filme é maravilhoso, como tudo o que o Clintão produz. O título já demonstra uma profunda relação de culpa que permeia toda a história: as prostitutas agredidas não perdoam seus agressores; o xerife não perdoa quem se atravessa no seu caminho; o próprio personagem de Clint não perdoa a si mesmo pelo seu passado de assassino, embora tenha se redimido – o que o leva de volta à matança. O filme inteiro é profundamente deprimente exatamente por isso: não há saída se não houver perdão; e ele jamais acontece.
 Forrest Gump, o contador de histórias venceu o Oscar de 1995; foi dirigido por Robert Zemeckis e estrelado por Tom Hanks (a melhor interpretação da vida dele, na minha opinião). A personagem é um retardado mental que é constantemente enganado por todo mundo, a quem ele sempre responde com um voto de confiança. As situações são hilárias e inverossímeis (como ele ser campeão mundial de tênis de mesa, herói da guerra do Vietnam, maior produtor de camarão do mundo), mas ao mesmo tempo ele nos soa profundamente humano e real. Seu desapego das coisas e apego às pessoas nos leva às lágrimas, como quando perdoa o capitão que sempre o tripudiou (e ainda o ajuda a recuperar-se), recebe a moça que o abandonou, ignora cada ofensa que a sociedade inteira lhe faz. Perdoa sempre. Ficamos com a sensação de que somente um retardado mental poderia amar e perdoar daquela maneira. O que infelizmente parece ser verdade na maioria das vezes.
Minha sugestão é de que você reveja estes filmes pensando na proposta de Jesus em perdoar. São dois filmes muito bons apresentando as maneiras opostas como as pessoas lidam com a questão. Quando ninguém desculpa ninguém, todos são imperdoáveis. Já o cara que perdoa todos o tempo inteiro é inocentemente feliz.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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04FEVEREIRO
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Zelo com entendimento

codigo
O código de barras foi criado cerca de 20 anos atrás para controle de estoques no comércio. Lembro-me que houve um frenesi evangélico classificando-o como a marca da besta. Afinal, sem esta “marca” ninguém poderia comprar ou vender (como a afirmação bíblica em Ap 13.17), além dele conter três duplas de barras sem números (que, segundo uma estranha interpretação, representariam 666, o próprio número da besta). Desculpem a franqueza, mas foi uma grande bobagem: o código de barras é uma representação gráfica de números e aqueles três avanços vazios são separadores que representam nada. Conheço empresas cristãs que iriam à falência porque estavam prestes a se recusar a utilizar o código de barras naquela época. Ou seja: nota máxima em zelo, nota mínima em entendimento.
No Antigo Testamento ocorreu um fato no qual um grande zelo quase resultou em tragédia por causa da falta de entendimento. Você pode conferir este evendo em Josué 22. Resumo da ópera: as tribos de Rúben, Gade e metade de Manassés receberam sua porção da Terra Prometida do outro lado do rio Jordão. Essas tribos construíram uma cópia do altar que havia junto ao Tabernáculo (que estava em Siló, na porção ocidental de Israel). Ora, a lei proibia a existência de outro local de sacrifícios que não o Tabernáculo. Levantou-se o zelo do restante de Israel que pegou em armas e partiu para exterminar seus irmãos desviados. Já formados para a batalha, enviaram mensageiros para conversar com os faltosos, recebendo a explicação do que realmente acontecera: as três tribos não haviam construído um altar para sacrifício, mas um monumento para memória de seus descendentes. Queriam apenas garantir que seriam lembrados como parte do povo de Israel, apesar de estarem do outro lado do rio.
A explicação trouxe o entendimento necessário ao zelo de Israel, e a tragédia foi evitada. Ou seja, a extrema preocupação com a exatidão dos mandamentos poderia ter produzido uma tremenda injustiça porque efetivada sem o devido conhecimento dos fatos que se apresentavam.
O que me impressiona é que não estamos longe do procedimento daqueles israelitas. Cada pouco aparece um iluminado a nos revelar os sinais malignos ocultos no mundo, ao qual muitos seguem sem verificar a veracidade das afirmações (nestes tempos de internet, então, as teorias conspiratórias se proliferam). O código de barras foi um caso que revelou o quão desinformados nós somos. Alguns anos atrás o senador Pedro Simon (PMDB-RS) propôs a unificação de todos os números (RG, CPF etc) em uma única carteira. A coisa mais prática que se poderia imaginar – mas lá estavam os neuróticos de plantão percebendo a manifestação do Anticristo (evidentemente a proposta do senador emperrou na máquina burocrática brasileira…).
Aí fico me perguntando: o que tem a ver a marca da besta com a tecnologia? Não tenho dúvidas que um sinal do Anticristo – mesmo que baseado em tecnologia – deve estar ideologicamente vinculado como uma confissão de fé, o que não acontece com o tal do código de barras. Para mim, todas estas leituras catastróficas do desenvolvimento tecnológico não estão produzindo um povo vigilante: estão produzindo um povo neurótico e alarmista. Não um povo zeloso, mas ignorante. E isto é muito ruim, porque o zelo puro pode produzir intolerância. Mas o zelo com entendimento nos leva a agir com sabedoria.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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01FEVEREIRO
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Analfabetismo funcional?

Analfabetismo
Algum tempo atrás recebi muitos emails indignados a respeito da Globo e de sua suposta campanha contra as instituições mais sagradas, como a família, por exemplo. Não tenho dúvidas dos valores deturpados que a empresa tem defendido e de sua ação perniciosa para toda a sociedade brasileira em boa parte de sua programação estúpida. Mas a mesma crítica se estendia – com ferocidade impressionante nos emails que vi – à música de abertura de uma novela. Eu não tinha prestado atenção antes, mas aí resolvi ler a dita letra com calma. E fiquei assustado – não com o conteúdo, mas com o tamanho do equívoco do povo na leitura de um texto. Para que todos saibam do que estamos falando, segue a letra “Pelo Avesso”:
Pelo Avesso – Titãs
Composição: Sérgio Britto
Vamos deixar que entrem?
Que invadam o seu lar?
Pedir que quebrem
Que acabem com seu bem-estar?
Vamos pedir que quebrem
O que eu construí pra mim?
Que joguem lixo
Que destruam o meu jardim?
Eu quero o mesmo inferno
A mesma cela de prisão – a falta de futuro
Eu quero a mesma humilhação – a falta de futuro
Vamos deixar que entrem?
Que invadam o meu quintal?
Que sujem a casa?
E rasguem as roupas no varal?
Vamos pedir que quebrem
Sua sala de jantar
Que quebrem os móveis
E queimem tudo o que restar?
Eu quero o mesmo inferno
A mesma cela de prisão – a falta de futuro
Eu quero a mesma humilhação – a falta de futuro
Eu quero o mesmo inferno
A mesma cela de prisão – a falta de futuro
O mesmo desespero
Vamos deixar que entrem
Como uma interrogação?
Até os inocentes
Aqui já não tem perdão
Vamos pedir que quebrem?
Destruir qualquer certeza
Até o que é mesmo belo
Aqui já não tem beleza
Vamos deixar que entrem?
E fiquem com o que você tem?
Até o que é de todos
Já não é de ninguém
Pedir que quebrem?
Mendigar pelas esquinas
Até o que é novo
Já está em ruínas
Vamos deixar que entrem?
Nada é como você pensa
Pedir que sentem
Aos que entraram sem licença
Pedir que quebrem
Que derrubem o meu muro
Atrás de tantas cercas
Quem é que pode estar seguro?
Eu quero o mesmo inferno
A mesma cela de prisão – a falta de futuro
Eu quero a mesma humilhação – a falta de futuro
Eu quero o mesmo inferno
A mesma cela de prisão – a falta de futuro
O mesmo desespero
Ai está a letra. Aí está o problema de interpretação de grande parte dos crentes que conheço. Parece que o meio evangélico brasileiro sofre de uma miopia coletiva que os impede de perceber tanto a ironia quanto a linguagem figurada. O que me lembra de uma categoria humana da qual fazem parte cerca de 75% dos brasileiros: os analfabetos funcionais.
O analfabeto funcional é o cara que sabe ler, talvez tenha até uma faculdade, mas quando pega um texto é incapaz de entendê-lo. Isso é muito frequente. Já vi, por exemplo, crentes sinceros que acham que devem usar terno porque a Bíblia ordena“revesti-vos de TERNOS afetos de misericórdia”; assim como ouvi um rapaz muito zeloso dizer que Bíblias comentadas são malignas, porque “ai de quem acrescentar uma vírgula à Palavra”… Infelizmente, a sinceridade não livra-nos da ignorância.
O exemplo na letra dos Titãs é clássico. O letrista não está convidando as hostes infernais a entrarem na sua casa e acabarem com a sua família. De maneira alguma. O narrador é um cidadão da classe média ou média/alta que vive atrás de muros e de sistemas de segurança que o protegem do mundo desgraçado que corre pelas ruas assaltando, roubando, matando ou simplesmente mendigando. Ele é um alienado que não vê – ou não quer ver – a realidade que o cerca.
Então, ele tem um surto de autoconsciência e percebe que não pode ficar alheio à desgraça ao seu redor, que não pode isolar a si mesmo e à sua família do mundo miserável lá fora. Porque esse mundo, cedo ou tarde, vai entrar e acabar com ele e sua vida. Logo, ele quer ser atingido pelo inferno que os outros sofrem para sentir e fazer algo. Ele quer que a realidade entre e o atinja no seu isolamento.
O pior é que o título da música já escancara do que se trata. A música é um convite à ação. Ela diz que não se pode viver isolado num mundo desgraçado e achar que está tudo bem. Essa é a mensagem dos Titãs que nossos queridos irmãos não conseguem enxergar porque leram mas não entenderam. Baseados mais no zelo do que no entendimento. Acabamos esquecendo o problema que gera a equação:
zelo + ignorância = injustiça.
Agora, antes de se indignarem comigo também, releiam a letra da música e tirem suas próprias conclusões. Se quiserem malhar a Globo, me convidem. Mas façam isso com propriedade, por favor. Não com enganos simplórios.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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31JANEIRO
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De Samaria ao Brasil

Quando encontramos exemplos de preconceito na Bíblia, ficamos um tanto chocados. É difícil entender alguns tipos de discriminação que aconteciam nos tempos de Jesus. Um deles era o fato de ser uma afronta social ele falar com mulheres. Mais ainda, conversar com uma mulher samaritana e desconhecida. Foi o que aconteceu quando Jesus passava por Samaria – também um lugar desdenhado e visto com maus olhos (veja a história em João 4). Nos deparamos com a estranheza: são preconceitos que nos parecem até irracionais. Inconcebíveis. Frutos de mentes atrasadas. Pergunto: somente eles? O que dirão de nós daqui a 100 anos, quando se ouvir falar, por exemplo, do uso restrito de “elevador social” e “elevador de serviço”?
A diferenciação de uso de elevadores por categoria pessoal é uma invenção brasileira que configurou-se em um símbolo da discriminação e da separação de classes. Coloca os proprietários em um elevador e a massa de mão-de-obra no outro. Resquício social da casa grande e da senzala, que mantinha patrões e escravos devidamente afastados (afinal, não se deseja que as visitas dos senhores de engenho tenham que dar de cara com os escravos). Ora, diferenciar “elevador social” de “serviço” é um uso que se caracteriza como discriminação social pura e simples. Para exemplificar: tenho a convicção de que a exigência do uso do elevador de serviço para um servente de pedreiro não se aplicará ao arquiteto da mesma obra; nem o gerente será obrigado a usar o elevador de funcionários do estrato social mais baixo. Mas nós não achamos nada disso estranho.
Outro fato que nos choca na Bíblia, que acontecia tanto em Samaria como nos confins da Terra, era a naturalidade da escravidão. Era absolutamente ético e legal ter escravos. Ou seja, era normal comprar gente, surrar gente, vender gente – acoisificação do ser humano. Soa como uma discriminação óbvia e gritante para nós. Mas o que diremos a Deus quando Ele nos perguntar por que nós achávamos natural um diretor ser remunerado em até 100 vezes mais do que o faxineiro dentro de uma mesma empresa? Que achávamos natural o empresário comprar um tapete de 15.000 reais para sua casa e o funcionário deste mesmo cidadão ter que trabalhar 3 anos para ganhar o mesmo? Temos uma resposta que, creio, não nos justificará: cada um deles fez por merecer.
Faça suas próprias perguntas. Eu tenho algumas, para te ajudar. Por exemplo: por que, em várias empresas, ninguém usa uniforme – exceto a servente? Por quecurriculum vitae tem que ter foto? Por que criminoso com curso superior ganha cela especial? Por que universidades como a USP e a UFRGS tem apenas 1,5% de professores negros? Por que determinadas categorias profissionais exigem o uso do termo doutor precedendo seu nome?
Por isso e muito mais é que não podemos ver os homens do Mundo Antigo como alienígenas, portadores de preconceitos absurdos. Nós os temos, em abundância. Precisamos abrir os olhos, porque geralmente achamos que preconceituosos são apenas os outros. Nós, nunca.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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30JANEIRO
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A outra face

Pr. Martin Luther King
Jesus Cristo foi um subversivo. Nadou contra a maré em praticamente todos os aspectos de sua época. Ouso dizer que suas pregações continuam sendo contrárias à maioria das nossas práticas também hoje. Creio que a mais absurda das suas propostas foi “dar a outra face” ao agressor (Mateus 5.39); não tenho dúvidas de que esta é a maior afirmação pacifista de todos os tempos. Tão contrária ao padrão humano que só consigo, à primeira vista, lembrar-me de dois nomes que a praticaram (além do próprio Cristo): Luther King e Gandhi.
O pastor Martin Luther King foi um dos maiores nomes da história do século XX. Curiosamente, sua luta contra o racismo institucional americano deu-se enfrentando o maior governo protestante do mundo. O centro da oratória e da proposta de King era jamais reagir às agressões dos brancos racistas, entregando seus corpos para serem espancados até que a verdade da igualdade entre os homens fosse aceita. Entre as preciosidades que ele nos legou está o discurso “I have a dream”, que você pode assistir legendado no Youtube:
Discurso de Martin Luther King
Martin Luther King recebeu em 1964 o Prêmio Nobel da Paz justamente por pregar a resistência não-violenta contra o preconceito racial. Dar a outra face, foi apenas o que ele propôs. Apenas?
Outro grande nome que defendeu a mesma ideia foi Mahatma Gandhi. Para nossa ignomínia, ele utilizou a proposta subversiva de dar a outra face contra um império cristão, o Império Britânico. Enquanto os cristãos mandavam balas e bombas, os hindus respondiam cruzando os braços. Gandhi nem discursava; apenas executava seus memoráveis jejuns. Conquistou a independência da Índia sem dar um tiro sequer. Deu a outra face, só isso. Só?
Dar a outra face, após apanhar na primeira, é absurdo; não é natural – até nossa biologia nos leva a reagir para sobreviver. O fato é que os três praticantes da proposta pacifista aqui citados – Cristo, Luther King e Gandhi – morreram de maneira violenta enquanto davam a outra face. Cristo foi crucificado por volta de 27 d.C.; Gandhi foi morto a tiros em 1948; e Luther King foi assassinado, também a tiros, em 1968. O “dar a outra face” é muito mais do que uma retórica, vai além da justiça a ser alcançada; ele é a afirmação de paz como objetivo final, expressão máxima de um amor disposto a morrer pelos amigos e pelos inimigos.
Difícil, não é? Como não combina muito com a retórica triunfalista por aí alardeada, dificilmente vemos alguém pregar (ou praticar) essa absurda proposta de Jesus. O amor é mesmo muito doido.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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29JANEIRO
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Umbigocentrismo

Umbigocentrismo
Conheci o humanismo na escola. O contraste com tudo o que eu via na igreja era gigantesco: se nas classes da escola bíblica eu recebia a instrução de que Deus era o centro da história e de tudo o que existe, na escola secular encontrei o homem como o centro. Não poderia haver maior oposição de princípios. Hoje passaram-se mais de vinte anos desde que percebi o choque ideológico, mas creio que a diferença de opinião entre as duas instituições diminuiu sensivelmente. Não que a escola tenha se aproximado de Deus – muito pelo contrário. Foi a igreja que se tornou bem mais humanista, que deslocou o centro de suas aspirações de Deus para o homem. Neste “novo” comportamento, o universo e até mesmo Deus estão girando em torno do nosso umbigo. É isso que chamo de Umbigocentrismo.
Nessa ideia estapafúrdia, alguém decidiu que a vontade de Deus passa pelo nosso sucesso. A “prosperidade do povo de Deus” tornou-se o veículo da pregação do evangelho e a abundância material o sinônimo da bênção divina – ideia bem adequada à competitividade materialista em que vivemos. Onde isso aparece? Na pregação (talvez camuflada) de que Deus está preocupado em fazer com que nós sejamos ricos, bem-sucedidos e poderosos. Quantas vezes você já ouviu a frase “EU determino”? Ou então “EU quero enriquecer para contribuir mais”, ou “EU vou ser famoso para a glória de Deus”?
Para a glória de Deus? É brincadeira…
É difícil para nós compreendermos corretamente a essência do evangelho. Somos tão bombardeados pela mídia na busca pelo sucesso que perdemos a referência de quem somos de fato: homens. Tomamos o lugar de Deus. Nós simplesmente determinamos e Ele passa a trabalhar para o nosso lucro e conforto.
Mas contra essa atitude temos alguns exemplos veterotestamentários (já que dali saem todos os referenciais de riqueza dos defensores da tal da prosperidade): Jó e os amigos de Daniel.
Jó é um livro que não gostamos muito de ler. Aquela desgraça que se abate sobre o coitado chega a nos constranger. Mas, já no início do livro, Jó nos revela o entendimento essencial a respeito de quem ele era e quem Deus é. Após perder tudo, inclusive a saúde, ele disse: “Nu saí do ventre da minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21). Ele podia não compreender as razões de Deus e até gemer contra elas, mas jamais se apartava do princípio básico: Deus é Deus, o homem é homem. Sabia quem era o soberano nessa relação. Se tudo lhe foi restituído depois é apenas porque Deus assim o quis.
Outros que surpreendem são os três amigos de Daniel no episódio da fornalha de Nabucodonosor (Dn 3). Quando rejeitaram a ordem de se curvarem perante a imagem, eles deram uma resposta memorável: “Responderam Sadraque, Mesaque e Abednego, e disseram ao rei Nabucodonosor: Não necessitamos de te responder sobre esse negócio. Eis que o nosso Deus, a quem nós servimos, é que pode nos livrar; ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e da tua mão, ó rei. Mas, SE NÃO, fica sabendo ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste” (Dn 3.16-18). Não eram eles que determinariam nada; estavam nas mãos de Deus e isso lhes bastava. Mesmo que para um final trágico. E se Deus os salvou, também foi somente porque quis.
Tanto Jó quanto os amigos de Daniel compreendiam o conceito da soberania de Deus. Nem mais, nem menos. Deus não trabalhava para eles, não girava ao redor dos seus umbigos. E eles nunca se esqueceram disso.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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28JANEIRO
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Jesus e a periferia

Fotografia de Sebastião Salgado
A tendência do capital é de acumular – não de se distribuir, conforme pregam alguns otimistas. Essa característica leva os mercados a gerarem assimetrias regionais, produzindo uma série de centros e periferias que vão do macro internacional (EUA, o grande centro – por enquanto) até relações regionais (São Paulo é o centro brasileiro, por exemplo). Também forma a principal característica social brasileira na qual poucos ricos lucram muito e toneladas de pobres vivem com bem pouco. Logo, cada um de nós, na sua busca profissional, precisa se aproximar do centro para ganhar melhor ou ter sucesso. É natural ir para o centro. Entretanto, contrariando toda a lógica, Jesus Cristo sempre seguiu o caminho inverso. Ele buscou a periferia.
Pra começar, a história da salvação começa num minúsculo povo da periferia do Império Romano. O grande centro era Roma, as coisas aconteciam na península itálica. Os judeus eram uma insignificante população que foi facilmente incorporada à máquina administrativa romana. Mas foi naquele povinho que Deus decidiu apresentar o Messias. O Filho de Deus nasceu na beirada do mundo.
Além de nascer afastado do centro mundial, Jesus também manteve distância segura do centro religioso da Palestina que era Jerusalém – para onde acorriam os pregadores e grandes sábios. Também ficou afastado do centro político, Cesareia. Ele viveu sua infância e juventude na Galiléia, uma região menosprezada (veja João 7.52). Quando iniciou seu ministério, radicou-se em Cafarnaum, pequeno entreposto romano de cobrança de impostos que ficava ao norte. De lá, partia para suas viagens missionárias na Peréia, Galíléia e Decápolis (região helenizada também desprezada pelos judeus). Suas idas a Jerusalém foram pontuais: para comparecer às festas religiosas obrigatórias que sempre redundavam em acalorados debates com os poderosos da religião oficial.
Jesus foi ao encontro dos rejeitados nas periferias. O foco de seu amor eram aqueles que não poderiam dar qualquer retorno de investimento: pobres, viúvas, doentes, prostitutas e alguns malandros dos quais jamais gostaríamos de nos aproximar. Isso sem falar nos que realmente deixavam os judeus com náuseas: os feios-sujos-maus-samaritanos. Não, Jesus não foi buscar o sucesso em Jerusalém. Ele foi ao centro apenas para ser crucificado.
Toda vez que mergulho um pouco na vida de Jesus e em como ele se relacionava com a periferia, me sinto um tanto envergonhado, pois meus olhos estão se fechando para o hecatombe social que ocorre ao meu redor. Estamos nos blindando do problema social que nosso modo de viver criou atrás das muralhas dos nossos condomínios. E reclamamos que nossos governos não nos dão segurança, não nos protegem da periferia.
Quando cheguei a Porto Alegre, fiquei um tanto chocado com o estado lastimável de muitos mendigos. Mas isso foi anos atrás: há muito que estou anestesiado para a miséria humana. Preciso urgentemente “ir e aprender o que significa: misericórdia quero, e não sacrifício” (Mateus 9.13). Não deixar que a miragem do centro – onde necessitamos buscar nosso sustento – nos cegue para a realidade. Não deixar que o propósito de alcançar as classes abastadas (o que é legítimo e necessário, e os quais Jesus não rejeitou) nos faça olhar a miséria com o desprezo pelos “preguiçosos”. Pelo menos para equilibrar um pouco as coisas neste estranho mundo em que vivemos.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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26JANEIRO
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O vínculo dos diferentes

O vinculo dos diferentes
O valor da parceria é reconhecido em todos os meios em que nos relacionamos: seja na família, no trabalho, na igreja e até mesmo no lazer. Se o viver em sociedade é uma das marcas antropológicas fundamentais do homem, buscar parceiros para os mais diversos empreendimentos se torna prerrogativa indispensável. A amizade, o casamento, a sociedade comercial e a própria vida comunitária na igreja são formas de parceria que estabelecem a necessidade de relacionamentos.
Vou partir do seguinte princípio: se alguém inicia uma parceria com outro é porque ambos já possuem um objetivo comum a perseguir, pois “duas pessoas andarão juntas se não tiverem acordo?” (Am 3.3). Mas a pergunta que fica para nós é: basta ter os mesmos sonhos para se chegar aos objetivos projetados? Ou são necessários outros critérios que garantam a perenidade da caminhada conjunta?
É comum considerarmos a severa diferença entre as pessoas como um grande impedimento para que permaneçam unidas. Quem não percebe uma crise – ou pelo menos, desconforto – quase constante dentro das igrejas pela oposição entre o antigo e o novo, o tradicional e o inovador, o reacionário e o revolucionário? Não é de hoje o chamado conflito de gerações – nossos pais o viveram, assim como nossos avós, e nós também o enfrentaremos dentro de algum tempo, mas do outro lado da corda deste cabo de guerra social. Entretanto, não acho que seja isso impedimento para o progresso de uma relação.
A Bíblia nos demonstra as mais diversas parcerias que, apesar de unirem homens completamente diferentes, vingaram como modelos de unidade. A mais extrema que me vem à memória é a caminhada de Elias e Eliseu. O primeiro, um ermitão cabeludo do deserto que se vestia com peles de animais e utilizava violência de palavras e ações contra o poder corrupto da monarquia israelita (veja o episódio de assassinato dos sacerdotes de Baal no monte Carmelo – 1Re 18); o segundo, um rapaz careca que vivia nas cidades e aconselhava o rei com palavras bem mais amáveis (veja o tratamento que ele dispensou aos prisioneiros arameus que tentaram invadir sua cidade para prendê-lo – 2Re 6). Apesar das diferenças, ambos – tanto Elias quanto Eliseu – cooperaram na eliminação do Baalismo de Israel.
Entre os outros profetas também encontramos exemplos de uniões dos dessemelhantes. Ageu e Zacarias profetizaram juntos pela reconstrução do templo em Jerusalém (Ed 5.1); Ageu possivelmente fosse um idoso de 90 anos, e Zacarias um jovem de 2 ou 3 décadas de idade. Isaías era um nobre que profetizava no palácio de Judá, enquanto Miquéias era um colono do interior – mas ambos falaram do Messias na mesma época e em localidades muito próximas, tendo coincidido até no conteúdo profético (compare Mq 4.3 e Is 2.4).
No Novo Testamento, temos uma pluralidade ainda mais intensa. Jesus chamou um grupo bastante eclético para treinar – inclusive dois inimigos mortais, um certo Simão, zelote (de um grupo extremista e violento que pregava a revolução em Judá contra Roma) e Levi, publicano (do grupo de judeus que cooperava com o império, lucrando com a cobrança de impostos de seus conterrâneos para sustentar o luxo romano). Quem de nós convocaria dois homens inconciliáveis para fundar sua igreja? Ainda no Novo Testamento, vemos o hiperativo e prolixo Paulo tendo como discípulo o jovem tímido Timóteo; as irmãs Maria e Marta, tão diferentes e tão unidas; o tempestuoso e falante Pedro – conhecido como Kefas (que significa “Rocha”) – pregando em Atos 3 e 4 junto com o mais jovem dos apóstolos – João – que veio a ser chamado o “Apóstolo do Amor”. As diferenças de temperamento, estilo pessoal, vestuário ou idade não impediram esses homens a andarem juntos e trabalharem na mesma obra. A dessemelhança faz parte da vida comunitária, e é ela que nos leva a andar num ritmo adequado – nem tão devagar que crie limo, nem tão rápido que percamos o fôlego.
Há casos bíblicos de parcerias entre opostos que fracassaram? Certamente que sim. Já no início da Bíblia temos Caim e Abel, homens potencialmente diferentes (um era agricultor e o outro, pastor) cuja história terminou em tragédia (Gn 4). Mais adiante, Esaú e Jacó cresceram como irmãos bastante distantes – um, caçador e aventureiro; o outro, acomodado e caseiro – e que permaneceram quase uma vida inteira no ódio. Todos os quatro eram homens que tinham objetivos próximos – seja agradar a Deus, seja receber a bênção do pai. Mas, simplesmente, suas parcerias não funcionaram.
O que levou estes últimos ao fracasso no projeto de andar junto? Qual a diferença deles para os anteriormente mencionados – Elias, Eliseu, Simão, Levi, Paulo, Timóteo, Pedro, João? Penso que seja a integridade. Quando um dos parceiros não é íntegro, quando suas motivações são escondidas sob a face oculta da mentira, não há possibilidade de que dois caminhem juntos. Foi o que aconteceu com Caim, e depois com Jacó: não havia inteireza de alma para permitir o apoio que o outro podia dar.
Isso significa que é na perfeição dos pares que se encontra o sucesso da parceria? Não. Integridade é a certeza de que há honestidade e sinceridade no meu colega, mesmo que sejamos completamente diferentes, e mesmo quando discordamos de opinião. Os apóstolos também tiveram que aprender. Fechou o tempo entre Paulo e Barnabé quando o primeiro não quis mais o sobrinho do segundo, João Marcos, por ter abandonado a viagem missionária (At 15.36-40). Entretanto, anos mais tarde, o fracassado Marcos veio a escrever um evangelho que levou seu nome e teve o reconhecimento do próprio Paulo perante Timóteo: “traze também contigo a Marcos, pois ele me é útil para o ministério” (2Tm 4.11). Pedro, o apóstolo aos judeus que fora tão relutante em ter contato com gentios (veja o episódio dele com o centurião Cornélio – At 10), no final da vida contou com o auxílio do romano Silvano, também companheiro de Paulo, que escreveu o excelente grego das suas cartas (1Pe 5.12).
Não eram homens perfeitos; eram íntegros. São coisas diferentes. Quando somos íntegros, também erramos – mas voltamos atrás e somos restaurados. É a integridade que permite que continuemos andando juntos, mesmo sendo completamente diferentes uns dos outros.

Crônica de André Daniel ReinkePublicada no jornal O Batista Pioneiro de setembro de 2012
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26JANEIRO
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Ódio evangélico

odio
A internet é campo da sinceridade. É o lugar onde os simpáticos a todo tipo de causa – seja legítima ou não – emitem sua opinião na forma anônima ou até mesmo assinada (mas sempre na segurança do distanciamento virtual). A característica impessoal da internet permite discussões acaloradas em todos os campos – e o meio cristão não está livre disso. Algum tempo atrás, li um artigo da revista Época sobre a suposta “nova reforma protestante”. O que me impressionou não foi o artigo em si, mas sim o baixo nível da discussão iniciada a partir dele. Anotei algumas expressões que foram utilizadas por lideranças evangélicas para descrever seus “opositores”:
- ornitorrinco
- morcego covarde
- empresário da(s) fé(zes)
- bando de picareta
- medíocre
Me lembrou do século XVI, quando católicos e protestantes das diversas correntes, alinhados a interesses governamentais, se matavam pelo direito exclusivo de pregar o amor de Deus. Definitivamente, a história não nos ensina absolutamente nada. Pelo menos paramos com a agressão física: trocamos as espadas e fogueiras pelos blogs. Ás vezes – mea culpa –, inclusive este aqui.
Não bastasse o ódio intra-cristianismo, atacamos também todos os desviados do mundo: prostitutas e prostitutos, espíritas, muçulmanos, católicos, ideólogos marxistas, ideólogos liberais – e especialmente os gays. Estamos cheios de inimigos da fé, além de ter acrescida a autorização de odiar a todos eles com intensidade – uma vez que a pregação agora é de que Deus odeia tanto o pecado quanto os pecadores (sim, eu sei que não é essa a intenção do camarada, mas a ampliação do nosso ódio é uma conclusão óbvia). Ainda temos o pessoal que diz que luta pelo “direito de poder pregar”, mas pelos comentários que tenho lido (e, de um tempo para cá, evitado ler), nunca se trata de uma chamada ao arrependimento; é xingamento puro mesmo. Forramos nossa luta de inimigos bem humanos.
Então vou para a Palavra e encontro esse negócio sobre o trato com os ditos inimigos: “Se vocês amarem aqueles que os amam, que recompensa receberão? Até os publicanos fazem isso! E se vocês saudarem apenas os seus irmãos, o que estarão fazendo de mais? Até os pagãos fazem isso!” (Mt 5.46-47). Continuo lendo, e encontro mais esta oração do Mestre na noite em que foi traído: “Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que eles sejam um, assim como nós somos um: eu neles e tu em mim. Que eles sejam levados à plena unidade, para que o mundo saiba que tu me enviaste, e os amaste como igualmente me amaste” (Jo 17.20-23).
O que sinto falta é desse tal de amor – tanto para com os de dentro da igreja, como para os de fora (que costumamos chamar de inimigos); da exortação sincera mas respeitosa, que se opõe ao pensamento difundido mas não parte para a ofensa pura e simples do indivíduo criticado. Sem as palavras do ódio que brotam do coração: ornitorrinco, morcego covarde, empresário da(s) fé(zes), picareta, medíocre. Há compaixão nessas palavras? Não. E aí fico muito, mas muito triste mesmo, porque fico com a sensação de que esse negócio não está funcionando.
Mas não desistirei. Sigo a leitura da Palavra, e encontro o seguinte: “Jesus perguntou aos Doze: Vocês também não querem ir [embora]? Simão Pedro lhe respondeu: Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos que és o Santo de Deus” (Jo 6.67-69).
Não, não irei a outro.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
(Na postagem antiga, havia alguns comentários. Como fiz alterações significativas no texto, não mantive os comentários antigos para não criar confusões a respeito do pensamento de quem publicou aqui)
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25JANEIRO
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Os trágicos pais bíblicos

Pais
Se alguém quiser fazer um estudo sobre a maternidade e procurar exemplos bíblicos de boas mães, vai ser uma barbada. Há várias mulheres que desempenharam muito bem seu papel: Joquebede, mãe de Moisés; Ana, mãe de Samuel; Isabel, mãe de João Batista; e assim por diante (não vou citar Maria porque ser mãe de Jesus é barbada…). Há vários exemplos de boas mães na Bíblia. Agora, se a idéia é fazer um estudo sobre bons pais, aí a coisa complica. A maioria dos pais bíblicos são trágicos.
E olha que a Bíblia é farta em orientações sobre como educar os filhos. Exemplo claro disso está em Provérbios 22.6: “Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele”. Os conselhos bíblicos são genuínos, e não poucos. Entretanto, a prática de muitos dos seus personagens não é lá muito aconselhável.
Vejamos os patriarcas, por exemplo. Isaque, filho de Abraão, foi um grande homem e de profunda contemplação de Deus. Entretanto, ter a preferência por um dos filhos (Esaú) levou à cisão da família e a feridas que tiveram inclusive consequências históricas de longo prazo. Jacó, seu filho, alvo da rejeição, parece não ter aprendido nada com o próprio sofrimento: escancarou a predileção por José e, depois que este foi eliminado pelos irmãos, retomou o processo com outro mais novo, Benjamim. Grosso modo, podemos dizer que os patriarcas provocaram a inimizade entre os próprios filhos.
Outro grande herói da fé que se tornou um dos piores exemplos de paternidade da Bíblia foi Davi. Grande guerreiro, músico, poeta, portador de aptidões pessoais as mais incríveis, denominado pela Bíblia “um homem segundo o coração de Deus”, foi um fracasso quando se fala na regência da própria família. Omitiu-se dos graves problemas que ocorriam entre os filhos quando um deles, Amnon, estuprou a meia-irmã Tamar, irmã de Absalão (a sórdida história pode ser lida em 2 Samuel 13); o final disso foi o assassinato de Amnon por Absalão e o início das rivalidades deste para com o rei Davi. Já vi excelentes pregações de Jaime Kemp sobre este episódio demonstrando como talvez um simples abraço e intimidade de Davi com os filhos teria evitado tantas tragédias… Mas o velho rei se mantinha distante de sua família.
Mas antes de nos horrorizarmos com estas atrocidades, vamos dar uma rápida olhada em dois outros povos bem conhecidos: os gregos e os romanos. Os gregos da cidade Esparta, um estado militar por natureza, selecionavam os recém nascidos e mantinham somente os saudáveis; os que tinham qualquer defeito – ou pura fraqueza – eram descartados e jogados de um penhasco. Já em Roma, havia uma lei em uso durante toda a República denominada “pater potestas”, ou seja, “poder paterno”; esta lei definia que o pai tinha o poder de vida e de morte sobre qualquer filho e poderia executá-lo à menor ofensa. Ele não precisava de permissão do estado para matar um filho, por exemplo (a julgar pelo fato de Abraão aceitar a provação de Yahweh de sacrificar o próprio filho, o pensamento também existia entre os semitas). Depois de Augusto, no primeiro século da nossa era, esta lei caiu em desuso entre os romanos.
Bem, este é o Mundo Antigo. Não é muito fácil encontrar a virtude como nós a entendemos hoje. Sobre a paternidade, mesmo na Bíblia, é difícil de selecionar exemplos positivos. Podemos, nestes casos, seguir o processo inverso: aprender sobre os erros daqueles heróis tementes a Deus, mas também falhos. Este é o nosso consolo. Na Bíblia não há nada de “supercrente perfeito”. Somos todos dependentes da graça do Senhor, como os antigos o eram.
O que me faz lembrar um ditado que ouvi certa vez: ”O homem sábio aprende com os próprios erros; o homem MAIS sábio aprende com os erros dos outros”. E isso vale também para os nossos personagens bíblicos, muitas vezes trágicos, sempre maravilhosamente humanos.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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24JANEIRO
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Fantasia

Guri de Uruguaiana, personagem de Jair Kobe
O 20 de setembro é a data mais importante do Rio Grande do Sul. Mais até do que o 7 de setembro, para horror dos demais membros da nossa federação. A gauchada toma conta das cidades ostentando suas pilchas (indumentária gaúcha) e seus cavalos. Embora eu tenha nascido e crescido no interior, vim a tomar contato verdadeiro com a cultura tradicionalista depois dos 15 anos de idade, quando comecei a trabalhar com frequentadores dos Centros de Tradições Gaúchas.
Naquela época, comprei uma bombacha e passei a vesti-la na Semana Farroupilha. Levei alguns anos para perceber que aquilo, na verdade, não fazia parte de mim. Eu era um rapaz urbano, criado na cultura imigrante alemã e que jamais havia montado um cavalo nem ordenhado uma vaca. Anualmente, o que eu fazia era vestir uma fantasia e interpretar um papel. Portanto, não vi mais sentido nisso e parei de fazê-lo. Na minha vida cristã, o processo foi semelhante.
Sempre fui um leitor assíduo da Bíblia e de muitos livros evangélicos, como O Peregrino, A Cruz e o Punhal e a série Yuri. Mas, ao mesmo tempo, eu era um adolescente que lia clássicos como a Ilíada, Odisséia, Moby Dick e O Tempo e o Vento. Ou seja, nesse processo acabei não assumindo os trejeitos evangélicos compartilhados pelos membros da igreja: leituras exclusivamente cristãs e linguagem diferenciada (que denominamos  “evangeliquês”).
Houve um tempo em que me sentia deslocado por não me expressar da maneira que todos falavam: “foi uma bênção!”, “misericórdia, Senhor”, ou como entre os crentes pentecostais, “toma posse”, “queima, Senhor”, essas coisas. Passei a questionar até mesmo a qualidade da minha fé porque minha linguagem simplesmente não se adequava naturalmente. “Que bênção” saía forçado da minha boca.
Felizmente, acabei descobrindo uma coisa: que o evangeliquês não é uma língua espiritual ordenada por Deus. Ele nada mais é do que um jargão, uma linguagem específica que serve para criar uma espécie de código que diferencia o grupo dos demais. Ora, se o objetivo máximo da igreja é abrir-se para todos e estabelecer uma mensagem que seja compreensível a cada ser humano, o evangeliquês é, mais que um simples jargão, um obstáculo à pregação do evangelho. Claro que a criação dessa linguagem específica não foi intencional, mas aconteceu pela convivência única com pessoas da mesma crença e intencionalidade de vida. Compreendendo isso, me livrei da culpa por não vestir essa fantasia.
Isso não significa, claro, que os que falam evangeliquês estejam usando uma fantasia; não, isso certamente é muito natural neles. A questão é que linguagem e marcas externas não podem servir como parâmetro para medir a autenticidade de um cristão. Assim como não se pode medir o gauchismo pelo tamanho da guaiaca.
Ou seja, hoje estou livre: não preciso mais botar bombacha para ser gaúcho e usufruir as qualidades dessa condição (trabalho, disciplina e valorização dos legados) e penar com alguns defeitos (certa grosseria no trato com os outros e a crença de viver no umbigo do universo). Também não preciso mais falar evangeliquês para aceitar-me cristão e buscar um relacionamento com Deus.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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23JANEIRO
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Alguém como eu

stenioQuem me conhece sabe o quão frustrado sou com a dita “música gospel” brasileira. Pelo menos, com o que é amplamente divulgado pela indústria fonográfica evangélica. Mas, vez por outra, cai no nosso colo uma coisa impressionante, um verdadeiro oásis no meio do deserto.
Algum tempo atrás descobri o Stênio Marcius em uma entrevista do Nelson Bomílcar na Rádio TransMundial (escute as entrevistas clicando aqui). Confesso que, escutando suas músicas, fiquei arrepiado. Não somente pela suavidade de seu dedilhado MPB, mas pela profundidade de suas letras. O que me impressionou não foi somente seu aspecto poético, mas o grande conhecimento teológico por trás de simples frases. Nesta crônica eu gostaria de destacar uma letra das que mais me emocionaram. É a música “Alguém como eu”, que você pode ouvir no youtubeclicando aqui. Abaixo, acompanhe o texto:
“Alguém como eu”
Stênio Marcius
Entre Mestre, descansa um pouco
Estás cansado, estás sedento e rouco
Dorme Mestre, a casa é Tua
Já fechei porta e janela pra rua
Deixou-me falando só
Dormiu tão pesado, fazia dó
Como será, Mestre, este sonho Teu
Sonhas como homem, sonhas como Deus
Sonhas com a Glória que tinhas com o Pai, na Luz
Ou sonhas com a cruz?
Perdoa, Mestre, mas já é hora
Uma multidão Te espera, lá fora
Estás decidido, não Te detenho
Vais curando até chegar ao lenho
Partiu, fica a Paz em mim
Fica a sala com cheiro de jasmim
Vai verter a vida do corpo seu
Pra levar a culpa de alguém como eu
Pra lavar o sujo do meu próprio eu
Levar-me puro à Deus
O Stênio consegue se colocar no lugar de um judeu nos arredores de Jerusalém, no início da última semana de Jesus, recebendo-o em casa antes de partir para enfrentar a cruz. Também elabora a questão da humanidade e divindade de Cristo (sonhas como homem, sonhas como Deus) e, por fim, a graça da salvação. Tudo isso num campo absolutamente pessoal, como a salvação o é.
Quando o descobri, pensei: preciso de um CD desse cara. Fui na Luz e Vida (aqui em Porto Alegre) e, depois de revirar aquela montanha de bobagens, perguntei pro vendedor: vocês tem alguma coisa do Stênio Marcius? Ele fez uma careta e nem sequer chegou a dizer que não. Saí bem frustrado. Então, perguntei pro oráculo (Google) e descobri que ele mesmo produz os próprios cds. Comprei todos os quatro.
Alguém pode concluir: as gravadoras não o descobriram. Não é verdade. Ele buscou uma bem conhecida e recebeu o seguinte comentário: “Tuas músicas são uma belezinha, pena que não vendem”. Isso foi quando ele tinha 17 anos. Agora, já tem uma longa carreira, pouco divulgada. Porque conteúdo profundo não vende e o mercado decidiu que não precisamos dele.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
Se você quiser adquirir algum CD do Stênio Marcius, escreva para:
sdeoliveiranogueira@gmail.com
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22JANEIRO
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Eu chorei com David Wilkerson

Quando escrevo, tento dar uma ótica construtiva para os comentários que publico. E isso tem sido uma luta, porque a a tentação de malhar as barbaridades que têm sido pregadas por aí é grande. Mas tem hora que não dá mais.
A esculhambação tá grande demais. É só ligar a TV ou o rádio que rola um showzinhoneo-gospel-pós-moderno de arrepiar. Por isso resolvi publicar também neste site a triste pregação do Pr. David Wilkerson, autor do célebre “A Cruz e o Punhal” (esse é um livro do tempo em que se falava da ação do Espírito Santo para salvar os perdidos, e não para “tomar posse” e ficar milionário). Em um púlpito da Rússia, ele abre o coração.
Ao final do vídeo, eu chorei com David Wilkerson.
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21JANEIRO
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Mistério

misterioO homem tem a necessidade quase patológica de explicar todas as coisas. A ciência – tanto na área das exatas quanto das humanas – ufana-se de esclarecer aquilo que anteriormente estava encoberto ou desconhecido. Como indivíduos, nos acostumamos a buscar o controle sobre nossa carreira, futuro, saúde e por aí afora. Queremos orientar nossa vida, o que é absolutamente natural e humano. Por isso é que não conseguimos entender quando nos defrontamos com o dia da angústia, quando as coisas dão erradas e Deus parece não estar agindo da maneira como esperávamos. Fizemos tudo certinho, cumprimos todas as regras, empenhamos nosso coração. Como manda o figurino. Então nos perguntamos: o que deu errado?
O problema vem de longa data. Um dos livros mais antigos da Bíblia já tratava desse tema. O livro de Jó remete justamente à questão do sofrimento não explicado. Se ele fez tudo certo, por que a desgraça se abateu sobre sua vida? Ofendeu Deus de alguma maneira? Qual o objetivo de toda aquela dor?
Há no texto um constrangedor questionamento sobre o horripilante destino a que Jó foi submetido. Os interlocutores necessitavam explicar a origem do sofrimento que só podiam entender como resultado do pecado. Não somente eles necessitavam de uma explicação; Jó também clamava por ela. Assim como nós. Embora Jó aceitasse a determinação divina, queria compreender. Nada mais humano, nada mais racional. O curioso deste livro é que Deus se revela a Jó no final e explica… absolutamente nada. Deus mostra toda sua glória e poder (“Onde estavas quando lançava os fundamentos da terra?” – 38.4), enumera seus feitos e não dá uma única palavra sobre a razão do ocorrido. Por quê?
Porque Deus não pode ser reduzido a uma relação de causa-efeito. Não dá pra colocar o Senhor dentro do nosso sistema de regras: se eu for na igreja três vezes por semana, Ele vai me abençoar; quanto mais ofertar, mais vou ganhar; quanto mais oração, mais saúde. Isso é matemática humana. Jó compreendeu que Deus não podia ser diminuído para caber nessa fórmula, afirmando que “eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem” (42.5). Antes ele ouvia falar de Deus e estabelecia uma relação causa-efeito com ele; mas agora, após o sofrimento sem explicação, ele entendeu a real dimensão do divino.
Relacionar-se com Deus fica complicado dentro de nossa mentalidade “científica”, que busca encontrar explicações humanamente lógicas para cada decisão divina. Mas não podemos reduzir Deus a esta relaçãozinha de faço-isso-Ele-responde-assim. Não.
Nosso Deus é mistério.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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19JANEIRO
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Estranhos vegetarianos

galinhas
Aqui em Porto Alegre, onde os vegetarianos sofrem horrores (porque gaúcho acredita que quem não come carne deve ter algum tipo de problema) acontecem algumas esquisitices. Uma delas é a quantidade impressionante de pessoas que dizem ser vegetarianas mas comem peixe ou frango. Não sei de onde eles tiraram essa ideia. Creem que frango dá em árvore?
Curioso é que esse tipo de incongruência conceitual é mais comum do que imaginamos. Talvez sempre fosse, mas hoje em dia parece ser mais explícito. Outro dia ouvi um professor da UFRGS comentar que tem aluno de Letras que odeia ler. Pode? Também existem marxistas que jamais leram Karl Marx e liberais que nunca visitaram Adam Smith. E, como esses, conheço vários cristãos que nunca leram direito a Bíblia.
Outro dia um amigo católico me confidenciava sua indignação com algumas pessoas com as quais ele conversava que se diziam católicas mas que acreditavam na reencarnação. Ele respondia: você não é católico! São doutrinas incompatíveis! Mas as pessoas não aceitavam. Faltava conhecimento das escrituras.
Entre o povo evangélico também acontecem algumas barbaridades semelhantes. Tem muito crente que acredita que o Diabo é Deus ao contrário, e que o mundo é o palco da luta entre eles dois; mas isso é Maniqueísmo (Mazdeísmo, Zoroastrismo, o que quer que seja). Tem cristão que acredita que paga por pecados de seus pais, avós e assim por diante; mas isso é uma versão do Karma budista. Tem cristão que acredita que sua palavra emitida em confissões positivas lhe trará prosperidade; mas isso é Seicho-no-ie.
Não adianta. O problema é mesmo o desconhecimento das doutrinas. Mas é só falar em estudo da Palavra que logo aparece alguém com o papo: “é, mas estudar sem praticar não leva a lugar nenhum”. Não me diga.
Então nosso povo abre mão do conhecimento bíblico e teológico em benefício de uma prática que nem sabe se é realmente cristã. Pode estar seguindo as doutrinas do Dalai Lama, de Marx ou de Smith ao invés dos de Cristo, mas como saberá? Afinal, talvez galinha dê em árvore mesmo.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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18JANEIRO
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História e perdão

Brilho eterno de uma mente sem lembranças
Em 2004 foi lançado o filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, com Jim Carrey e Kate Winslet. Quem não viu, assista. É surpreendente. O filme trata do tema do esquecimento: o camarada contrata uma empresa especializada em apagar a memória para excluir lembranças dolorosas do passado (no caso dele, relacionadas à namorada). Não vou contar mais nada para não estragar o final.
A ideia é legal, mas não é nova. Nietzsche, aquele homenzinho azedo e pessimista, já havia estabelecido a relação no seu livro “Escritos sobre história”, onde afirmou que a serenidade do homem vem tanto da capacidade de esquecer como de lembrar os fatos conforme convém. Para ele, o excesso de história (que é a lembrança) mata o homem. Portanto, só poderíamos ser felizes na medida que selecionamos os fatos do passado, relegando alguns ao esquecimento e outros à memória.
Entretanto, eu discordaria de Nietzsche (e do filme) em um ponto. Não é o esquecimento que nos torna verdadeiramente felizes: é o perdão.
Todos erramos, todos pecamos, não tem jeito. Por mais que busquemos amar a Deus e praticar o bem, acontece de às vezes tomarmos a atitude de um canalha. Então, vem aquele sentimento: de onde saiu isso? Como pude fazer uma coisa dessas? O melhor caminho é o do arrependimento, da confissão e do perdão. E essa é a parte mais complicada, principalmente porque a ideia de perdoar é humanamente injusta – uma vez que o ofendido assume o prejuízo da ofensa.
Embora compreendamos a necessidade de perdoar uns aos outros, normalmente esquecemos que a atitude do perdão também deve partir do próprio ofensor: no final de tudo ele precisa desculpar a si mesmo. E esse é um processo muito doloroso porque nos obriga a encarar de frente a realidade nua e crua sobre as motivações da nossa interioridade. A verdade dói, e por isso preferimos esquecê-la.
O esquecimento (que Nietzsche percebe como fator determinante da felicidade) na realidade acaba criando em nós uma caricatura: não chegamos nunca à própria essência porque não encaramos a verdade sobre nós mesmos. Mas com o perdão vem o autoconhecimento, pois a confissão do pecado é uma admissão da nossa realidade falha e inacabada.
E assim, somente encarando de frente a verdade do que somos lá no fundo – sem ocultá-la por meio do esquecimento – é que poderemos ser verdadeiramente livres. E encontraremos a paz com nossa própria história.

Crônica escrita por André Daniel Reinke
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17JANEIRO
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Saia para fora

Noite no Golgota - Vasily Vereshchagin
Dizem que cabe ao paraninfo falar sobre a importância dos formandos na sociedade; de como eles foram bem preparados; e de que há um futuro de muito sucesso e conquistas pela frente. Basta dedicação e ética que todos alcançarão a vitória.
Lamento, mas não posso fazer isso. A mensagem do evangelho é bem diferente porque a Bíblia é bastante desagradável: ela insiste em revelar a face assustadora da verdade. Fomos resgatados de nós mesmos e de nossa insuficiência. Jesus nos levou para uma vida em que cremos no resultado final – a vida eterna –, mas não nos dá a ideia do caminho até lá. Deus nos dirige, e sua ação é como um vento que não sabemos de onde vem nem para onde vai (Jo 3.8). A essência desta fé é ser incapaz de prever o que nos acontecerá no futuro próximo, mas tendo a certeza de que o Pai está no comando. Ou seja, é uma vida sem conhecimento e poder sobre os fatos mínimos, mas com a certeza de uma Presença. Então, não posso dizer para você que terá sucesso. Seria mentiroso.
O que posso lhe dizer nesta última aula é aquilo que venho expondo em praticamente todos os sábados: você é membro de um Reino subversivo. O Reino dos Céus explode todas as intenções do mundo e dos homens. Se nosso sistema econômico diz que você tem de ser o primeiro, que isso é ter sucesso, Jesus lhe diz que o maior é servo de todos; se o mundo ensina que o importante é ser forte e competitivo, o Senhor diz que ele lhe escolheu porque você é um fraco. O próprio Cristo mostrou isso: sendo o maior de fato, se tornou o menor de fato – o mais miserável de todos. Escolheu o caminho da fraqueza para alcançar a vitória. Portanto, não há compatibilidade entre o que o mundo quer de você e o que Deus espera da sua vida.
Por isso, o autor de Hebreus disse esta palavra que, acredito, seja insuportável aos ouvidos de qualquer motivador da auto-ajuda: “Jesus também sofreu fora das portas da cidade, para santificar o povo por meio do seu próprio sangue. Portanto, saiamos até ele, fora do acampamento, suportando a desonra que ele suportou. Pois não temos aqui nenhuma cidade permanente, mas buscamos a que há de vir. Por meio de Jesus, portanto, ofereçamos continuamente a Deus um sacrifício de louvor, que é fruto de lábios que confessam o seu nome.” (Hebreus 13.12-15)
O centro dos holofotes era o Templo, na parte mais alta da cidade. Os saduceus eram os porta-vozes oficiais da vontade divina; tinham o sucesso da religião; juntavam multidões e detiveram durante séculos o negócio de tomar conta das coisas de Deus (se fosse hoje, estariam vendendo cds aos borbotões e te convidariam a patrocinar programas de rádio e televisão). Mas não foi para estar com eles que Jesus lhe chamou; ele convidou a ir para fora da cidade, para postar-se em um montículo chamado A Caveira, aos pés de uma horrenda cruz onde jaz toda a vergonha do universo. Não há glória humana nisso, nenhuma.
Estudamos os profetas. Eles quase sempre estiveram em confronto com o centro. Quase nunca obtiveram resultado na sua pregação. O maior de todos eles – João Batista – era um ermitão que vivia no deserto, vestia pêlos de animais e tinha uma alimentação no mínimo frugal. Um homem desagradável, perdedor, sem templo, sem mídia e que acabou com a cabeça numa bandeja pelos caprichos de uma princesa fútil. Pelos olhos do mundo, quem teve sucesso? O pessoal do centro, ou João Batista, o camarada periférico do lado de fora? Fácil responder.
Mas o Reino subversivo de Jesus nos ensina o contrário: a vitória foi de João. Aos outros será dado um pagamento que temo em pensar. Por isso, o Evangelho constrangedor do Senhor lhe chama a sair para fora, carregar junto do Mestre a mesma desonra, tendo os olhos focados na retribuição que o Pai lhe tem reservada. Não a glória dos homens. Ela é fugaz, depende de palavras afáveis.
Dê a Deus a única coisa que você pode oferecer: um sacrifício de louvor, humilde, de lábios que entendem exatamente quem é quem: Deus é Deus, você é o servo. É Ele quem decide. O resto é apenas o resto.
Saia para fora. É só o que tenho a lhe dizer.